quarta-feira, 30 de março de 2016

PISANDO EM RASTRO DE CORNO

(Benildo Nery)

 

Sempre levei uma vida
Pautada em aventura,
Extravagância, loucura,
Festança além da medida
Tudo regado a bebida
Mulher escolhida a dedo
Nunca soube o que era medo
O que viesse eu topava
Qualquer coisa eu enfrentava
Era esse o meu enredo.

Quando o final de semana
Chegava eu tava prontinho
Todo bem arrumadinho
Com uma roupa bem bacana
No bolso cartões e grana
Eufórico e sorridente
O roteiro já na mente
O carro pronto, encostado
O amigo de fé sentado
A me esperar lá na frente.

Para um bar ou restaurante
Um forró, uma balada
Tome carreira na estrada
Como era emocionante
Ao chegar em um instante
Víamo-nos rodeados
De mulheres aos bocados
Loiras, ruivas e morenas
Altas, gordinhas, pequenas
E nós com elas colados.

O que quisesse comer
Grana pra bancar eu tinha
Quente ou bem geladinha
O que quisesse beber
Assim eu via descer
Espumante, Bagaceira,
Vinho, gela de primeira
Vermouth, vodka, armanhaque
Rum, tequila e conhaque
Toda noite a noite inteira.

Tira gosto não faltava
Se pedia e num instante
Vinha petisco crocante
Na mesa o garçom botava
Batatas e mocofava
Coxinhas e pasteizinhos
Presos em uns palitinhos
Azeitonas, mussarela
Outras coisas em rodela
Bolos, presuntos, bolinhos.

Era alegria estampada
No rosto da turma inteira
Vez em quando uma carreira
Para dar uma dançada
Depois da festa findada
E de a conta pagar
Cada um com o seu par
Dava uma esticadinha
E a que ficava sozinha
Eu não deixava boiar.

Jogava dentro do carro
Ai só Deus que sabia
Onde que a gente ia
Pra tirar aquele sarro
Pelas estradas de barro
Ou asfalto nem ligava
Pois a farra só prestava
Quando tinha curtição
E viver de pegação
Era o que interessava.

Numa casa abandonada
Numa cabana, ou motel
Apoiados no painel
Do carro lá na estrada
Numa entrega assanhada
O ficar prevalecia
No outro dia parecia
Que o casal nunca se viu
Que a noitada não curtiu
E que nem se conhecia.

Aí seguia em frente
Tome forró e balada
Bebedeira e noitada
Mulherada diferente
Fechando com sexo quente
A rotina era essa
Sem aperreio, sem pressa
Só prazer e alegria
Afinal quem não queria
Levar uma vida dessa?

Mas minha vida mudou
De uma forma repentina
Quando dei fé a cortina
Da alegria se fechou
Uma escuridão chegou
E ficou em mim parada
E não é que essa danada
Findou comigo acabando
Meu cenário desmontando
Palco e arquibancada.

Daí perdi meu emprego
Meu patrão me despediu
A minha grana sumiu
Levou junto o meu sossego
O meu amigo morcego
Que vivia em mim colado
Deu no pé, saiu voado
Se mandou, se escafedeu
Nunca mais apareceu
Me deixou abandonado.

Meu guarda roupa que era
Cheio de roupa alinhada
Hoje só roupa surrada
Dentro dele me espera
Pra ter noção da cratera
Em que eu estou jogado
Perfume não tenho usado
Quando uso é o do bem fraco
E até mesmo o meu suvaco
Não tenho desodorado.

Meus tantos cartões de crédito
Não podem mais ser usados
Todos foram bloqueados
Não pude cobrir o débito
Um acontecimento inédito
No SPC entrei
Minha TV, penhorei
Vendi meu carro novinho
Sem mulher e aqui sozinho
Meu fracasso eu encontrei.

Revirei a minha mente
Procurando uma resposta
Porque estou nesta bosta
Vivendo igual indigente?
E tem mais, daqui pra frente
Como será minha vida?
Já está faltando comida
Cortaram a água e a luz
Por caridade Jesus
Me aponte uma saída!

Até que uma ciganinha
Pediu pra ler minha mão
Eu não creio nisso não
Mas por ser uma gracinha
Eu lhe emprestei a mão minha
E ela foi analisando
Cada linha e falando:
“Você muito aprontou
Com certeza alguém cobrou
O que você tá pagando.”

Continuando a leitura:
“Você foi muita farrista
Pois muita mulher na lista
Curtiu, viveu de aventura
E nessa sua loucura
Pegou solteira, casada
Viúva, divorciada
Todas gostosas tá certo
Mas se achou muito esperto
E hoje tá pegando é nada.

Sabe, eu estou achando,
Ou melhor, tenho certeza
Que toda essa moleza
Que está te atazanado
Só para traz te botando
Tirando o que você tem
Não é nada do além
Nem é mandinga botada
Foi uma mulher casada
Com quem tu saiu também.

Você só deve ter ido
Na casa dela e entrado
Logo após o coitado
Do marido ter saído
E por ser muito atrevido
Não olhou para o entorno
Só pensando no adorno
Que nele estava botando
Então acabou pisando
Amigo em rastro de corno.”

Terminada a leitura
Fiz uma reflexão
Vi que ela tinha razão 
Eu vivi de aventura
Hoje não tenho quentura
Está quebrado o meu forno 
Meu fogo não tá nem morno
Já está quase apagado
Devo ter mesmo pisado
No tal do rastro de corno!

 
 



sábado, 26 de março de 2016

PRESIDIÁRIO

(Benildo Nery)


Se a poesia é terrena
Por ela fui seduzido
Se ela for extraterrena
Fui por ela abduzido
Mas de uma coisa eu sei
Por querer me entreguei
Fui por ela apreendido.

E não tenho reagido
A esta exímia prisão
Por trás das grades da métrica
Estou por convicção
Com uma parceira de cela
Que é a rima mais bela
De uma improvisação.

Daqui, da minha visão
O Sol não nasce quadrado
Soberana brilha a Lua
Longe, além do lajeado
Seja na noite bem fria
Ou na quentura do dia
Sinto-me sempre inspirado.

Um mote bem arrumado
Um galope a beira mar
Uma canção de primeira
E um bonito pontear
Gemedeira, um aiaiai
Um mourão do você cai
Sempre vêm me visitar.

Às vezes sem esperar
Um quadrão adentra a cela
Sozinho ou acompanhado
De uma bonita Parcela
Aquela de mutirão
Prima irmã do Baião
Que anda sempre com ela.

E é justo através dela
Que eu sei como está Quarteto
Aquele do irmão gêmeo
Companheiro de Terceto
Que também é gemiado
E que só anda “encangado”
Os tais que formam o Soneto.

Sei notícias de Folheto
Cordel de Metrificar
Pergunto sobre Estribilho
Nunca vir me visitar
Assim como Haicai, Balada
Redondilha e Cruzada
Por onde estão a andar.

E para me alegrar
Me deixar super contente
Tem o meu advogado
Dr. Baião do Repente
Que as autos tem acesso
E faz com que meu processo
Rasteje anos pra frente.

E lá fora muita gente
Reunida a cobrar
Que eu continue preso
Pra eu nunca me soltar
E que eu cumpra a sentença
Pra parar de desavença
De não querer declamar.


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