quarta-feira, 3 de maio de 2017

O ESCRITOR DE CARTAS

(Juca Santos)



Meu filho, eu preciso falar-te um momento,
Não é um lamento
Nem reclamação...
Sei que estais crescido, bonito e formado,
Feliz, bem casado,
Mas, preste atenção.

O seu nascimento foi iluminado.
Por Deus enviado
Foi muito bem vindo.
Em tempo de crise, eu desempregado,
Porém, deslumbrado
Que menino lindo!

Passamos apertos e dificuldade,
Com muita vontade
E morando alugado,
Faltava-nos muito e se fartava pouco
Lutei como um louco
Pra vê-lo educado.

Amor sempre tinha e limites também.
Um homem de bem
Eu queria formar
Sua mãe e eu, com necessidade
E você a vontade,
Sem nada faltar.

Não sei onde foi que a gente errou.
O tempo passou,
Nós envelhecemos.
E toda alegria, desculpe a franqueza,
Tornou-se tristeza,
Foi o que colhemos.

Você foi embora, buscar o sucesso,
Querendo progresso
E de certo venceu.
E aqui estamos: tristes sem carinho
Morrendo sozinho
E você esqueceu.

Não quero dinheiro, terreno, poder...
Só quero te ver
Antes da partida.
De tanto lutar em serviço forçado,
Foi abreviado
Meu tempo de vida.

Não tenha vergonha da origem nossa,
Da minha mão grossa,
Da simplicidade.
Se lembre que nós com toda pobreza
Mostramos grandeza
De honestidade.

Terminei a carta, ao dono entreguei,
Pra casa rumei
Fingindo de forte
Fui pelo caminho pedindo a Deus,
Que com os filhos meus
Me desse mais sorte.

Nesse mesmo dia visitei meus pais,
Brinquei muito mais
Do que sempre fiz.
Eu pobre, sem nada, sem terra ou riqueza,
Mas com a certeza
De que sou feliz.

Eu, naquele tempo, vivia liberto,
Meu mundo era perto,
A vida era flor
Cercado de gente carente de tudo,
Eu com pouco estudo
Já era escritor.

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