quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

NOSSO VARAL DE MISTURAS MISTURADAS

(Benildo Nery)


Tinha um canto especial

Uma corda esticadinha

Que ficava na cozinha

E outra lá no quintal

E/ou com função igual

Uma cesta pendurada

Já bastante esfumaçada

Fazendo jus a função

De armazenar a porção

Da mistura misturada.

 

De longe já se avistava

De água a boca se enchia

Mãe tirava da bacia

E no varal pendurava

O que era insosso salgava

Lavava o que era salgado

Depois de tudo ajeitado

Entrava pra preparar

Café, almoço ou jantar

Com o do varal retirado.


Era uma diversidade:

Bucho, bofe, uma tripinha

Grossa, também da fininha,

Ubre, livro em quantidade

Mocotó de qualidade

Feito roupa estendido

Comer assado ou cozido

De outras partes o retraço

A passarinha ou o baço

O meu prato preferido.

 

Isso só para citar

Coisas do bicho bovino

Também tinha de suíno

Partes para apreciar

Pai gostava de comprar

Olha o tascão de toicinho!

Pra comer bem torradinho

Ou no borralho assado

Como era apreciado

Com farinha e cafezinho.


Bacalhau, avoador

Tinha carne de baleia

Esses na hora da ceia

Deixava um certo odor

Da sala pro corredor

O cheiro era sentido

Também era percebido

Por toda a vizinhança

Fazendo roncar a pança

De algum desconvalido.

 

De tarde ao Sol se pôr

Tudo era retirado

Pra dentro era levado

Na cesta estava ao dispor

Pra quando preciso for

Ser consumido um tasquinho

Se já tivesse sequinho

Para o sol já não voltava

Ao contrário mãe botava

No varal logo cedinho.

 

Dava tudo pra comer

Na semana inteirinha

E domingo de manhãzinha

Dia de muito prazer

Pra novas compras fazer

Meu pai fazia arribada

E a cordinha esticada

Sempre ao nosso dispor

Pra o estoque recompor

De mistura misturada.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

SOFRENÇA

(Serginho Gommes)


“Tudo deve ter limite”
Esse é sábio ditado
Mas já tá ilimitado
O que hoje se admite
Até gente da elite
Já contraiu a doença
Não nota mais diferença
De música ruim ou boa
Virando um Mané à toa
Curtindo aquela “sofrença”.

Essa “sofrença” surgiu
Pra perturbar nossa mente
Só mesmo um delinquente
Diz que é bom e curtiu
Um vídeo que ele viu
E compartilha na hora
Depois comenta que adora
O som vai logo ligando
Passa o dia escutando:
É... Porque homem não chora.

Logo a praga se espalha
Por todo o território
Sentindo que o repertório
Corta mais do que navalha
Típico de quem leva galha
De quem se ver sofredor
Na voz chata do cantor
O cara fica na mão
Ouvindo separação
E vingança do amor.

Você vai ficar sem mim
E diz que não me quer mais
Tu me odeias demais
O nosso amor teve fim
Espera! tem mais ruim
Está tudo terminado
É um sucesso danado
A música: casa vazia
Que a letra anuncia
Um idiota apaixonado

E vivendo sem ninguém
Também é sofrença sim
Tem outra: mente pra mim
E existem mais de cem
Não valem nenhum vintém
São carniças pra urubu
Quem compôs foi Belzebu
Essas letras de regresso
Mesmo assim se faz sucesso
A droga Bilu, Bilu.

domingo, 18 de janeiro de 2015

O GEMIDO

(JC Paixão)


O momento mais marcante
Na relação de um casal
Aquele que nos transforma
Nos faz bem, as vezes mal
Tem gente que não aguenta
E vai parar no hospital.

A hora mais desejada
No momento mais querido
O calor é ofegante
Daí o corpo despido
Atividade incessante
Falta fôlego e não gemido.

Quando se é com carinho
O gemido é com prazer
Quando é sem o desejo
O gemido é de sofrer
Para ter um bom gemido
É bom o casal querer.

Lembro sempre seu gemido
De alegria em meus braços
Também lembro seu gemido
De não querer só cansaços
Amor bom é quando os dois
Trocam carinhos e abraços.

Isso não dói tanto em mim
O que dói é eu saber
Que aquele seu gemido
De alegria e prazer
Você faz em outros braços
Com amor e sem sofrer.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

ZÉ GIROIME - O HOMEM QUE SE INVURTAVA

(Benildo Nery)

 



Eu tenho um grande amigo

No Sítio Piraporinha

Que na juventude minha

Era colado comigo

Sempre quando venho sigo

Pra fazer-lhe uma visita

Até hoje ele acredita

Nessas coisas de magia,

De macumba e bruxaria

Tudo de sessão espírita.

                                  

Estive no mês passado

Com ele na sua casa

Aí a gente extravasa

Conversando um bocado

Às vezes fico assustado

Com as coisas que ele conta

Mas comigo não apronta

Sabe quando recuar

Ou de assunto mudar

A mim nunca desaponta.

 

Nessa ele me contou

Algo de antigamente

Que guarda na sua mente

Que do seu pai escutou

Ainda mais confessou:

“Nunca contei pra ninguém

Proquê pra prová num tem

São coisa de otros prano

E tem mai... tem muitos ano

Eu acho q’ué mai de cem!

 

Meu pai me contô assim:

 

Derna quand’eu piquinino

Q’eu uvia mãe dizê

Zé Giroime tem pudê

Acho q’ué pudê divino!

Só seno isso minino!

Num tem otra ispricação

Se num fô isso intão

Cuma é q’ele tá aqui

Dispoi aparece ali

Cuma fosse assumbração?

 

Otro dia ele tava

La pras banda do riacho

Na mão sigurano um cacho

De pitomba que chupava

As muié banho tumava

Nuas sem ligá cum nada

Em uma farra danada

Poi lá num havia home

Mai num é que Zé se some

Pra dá uma ispiada!

 

E quano ele quiria

Ir pra um forró dançá

Dava um jeito de entrá

Sem pagá e consiguia

Quano oiava se via

Zé Giroime já dançano

Grudado, se requebrano

Cum as muié no salão

Aquele ispertaião

Dos pudê anda usano.

 

E otras mai Zé aprontava

Sem gastá nenhum tustão

Ropa tinha de montão

Conde quiria pegava

Prefume nunca fartava

Carçado do bom tombém

Nota de cinquenta, cem

E namorada de mai

Fartava só o rapai

Sê o dono dum harém.

 

Ais vei ele inventava

De cum os otro bagunçá

Coisa que estava a cá

Notro canto ele butava

Aí ele se mutava

Nas coisa q’ele quiria

Queto num se rimixia

Fazeno ais vei de mudo

Dispoi que passava tudo

Sirrindo se divirtia.

 

Aí meu pai mai sensato

Compretava bem assim:

Eu sei timtim por timtim

Cuma procede esse fato

Eu iscutei um buato

Que tá puraí rolano

Que Zé tá se invurtano

Poi dixero que herdô

Um livro do seu avô

Que é de São Cipriano.

 

Ele ainda num tem

A metade dos pudê

Proquê só chegô a lê

As parte que le convém

De página são mai de cem

Cuma tem poca leitura

Essa pobe criatura

Usa de foima errada

Logo será disvendada

Toda sua aventura.”

 

Fiquei impressionado

Com aquela narrativa

Parecia estava viva

Com tanto detalhe dado

E depois de eu ter voltado

Pra casa no outro dia

Até parece que eu via

Zé Giroime o personagem

Retratado na imagem

De alguém que eu conhecia.

 

Aí fui analisando

Será a mesma pessoa?

Pense numa história boa

Fui os detalhes ligando

Daí fui observando

Coisas que presenciei

Mas atenção nunca dei

Do jeito que deveria

Mas depois daquele dia

Pra tal fato despertei.

 

Eu analisei assim:

 

Um encontro eu marquei

Com a minha namorada

Numa casa abandonada

A ninguém nunca contei

Quando eu menos esperei

Esse alguém chega pra mim

E diz sorrindo assim:

“Acha que me despistasse

Eu tava lá nem notasse

Pense num encontro ruim!”

 

Não podia ser verdade

Isso me deixou bolado

O tal do local marcado

Muito além da cidade

Era uma tranquilidade

Era o maior deserto

Não tinha ninguém! Tô certo!

Disso me certifiquei!

Mas... espera! Me lembrei!

Tinha um gato lá perto.

 

Outro dia a gente estava

Em um bar tomando uma

Tinha cerveja de ruma

Cada rodada um pagava

Ele era quem mais tomava

Numa grande euforia

Quando ele percebia

Sua vez de pagar chegando

Já ia se despistando

E de repente sumia.

 

Isso sem contar que a gente

Curtia uma noitada

A casa de show lotada

Lá dentro e lá na frente

Quando vejo de repente

Tome soco pro meu lado

E não é que o danado

Lá dentro fez confusão

O pau quebrou no salão

E ele lá fora sentado.

 

E o mais interessante

Que ele nem deixa sinal

É uma coisa anormal

Deveras impressionante

Tudo de gente importante

Ele sabe, e sai contando

Ninguém o vê frequentando

A casa de seu ninguém

Por isso digo esse alguém

Só pode está se “invurtando!”

 

Tem dinheiro e casa boa

Só anda todo alinhado

Gordo, bem alimentado

Não trabalha, vive à-toa

É uma boa pessoa

Também não é nada feio

De nada ele tem receio

Aqui, ali, acolá

Em toda farra que há

O peste está no meio.

 

Eu já estou convencido

Tenho certeza que é ele

Zé tomou o corpo dele

Ele está possuído

Ou senão deve ter lido

Também o São Cipriano

Que transforma um fulano

No que quer é só querer

É verdade esse poder

É coisa de outro plano!

 

Meu grande amigo está certo

Ele tem toda razão

Vou prestar mais atenção

Vou ficar bem mais esperto

Quando esse alguém tiver perto

Nele vou ficar ligado

Pra não ser ludibriado

E nem lesado também

Por poderes do além

De um cabra invurtado!

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