sexta-feira, 27 de março de 2015

O VOYEUR

(Benildo Nery)


Assim que anoiteceu
Na casa dela eu cheguei
Bem de mansinho entrei
Ninguém, ninguém percebeu
Corri para o quarto seu
Fui procurando um cantinho
Reservado e escurinho
Pra ela não me notar
E fiquei a lhe esperar
Concentrado e bem quietinho.

Vi quando ela chegou
Eram sete e meia ou mais
Tava cansada demais
Em sua cama deitou
Pouco depois levantou
E a roupa foi tirando
E eu ali só espiando
Seu corpo fenomenal
Num belo fio dental
Na toalha se enrolando.

Para o banho seguiu
Eu ali me aguentando
Meio cismado pensando:
Será que ela me viu?
Outra vez ela surgiu
Na toalha enrolada
Dessa vez mais relaxada
Feliz a cantarolar
Oito, hora do jantar
Vestiu-se e saiu voada.

Fiquei bastante frustrado
Quando vi ela saindo
Do quarto toda sorrindo
Deixando tudo  apagado
Na cozinha o tilingado
De copo, prato, talher...
E eu pensando: essa mulher
Tá demorando demais
Mas daqui não saio mais
Só depois que ela vier!

Esperei por meia hora
Tava quase cochilando
Quando vi se apagando
As luzes de lá de fora
Pensei comigo: é agora
Que ela vem repousar
Quando ouvi um conversar
Da televisão ligada
Lhe imaginei sentada
A tela a observar.

Outras vozes eu ouvi
Sem ser da televisão
Mas, não dei muita atenção
Fingi que nem percebi
A essa altura eu dormi
No esconderijo meu
A luz do quarto acendeu
Aí um pinote eu dei
Confesso que despertei
Com o show que ela me deu.

Como fosse um ritual
Ligou o seu celular
Dava para escutar
Um tipo de um musical
E ela toda sensual
Sua veste foi tirando
Peça por peça dobrando
Guardando no guarda-roupa
Vi a sua linda polpa
Da bunda se requebrando.

Junto à cômoda se sentou
Ficou se olhando no espelho
Pôs um baby-doll vermelho
E quando se levantou
De creme um frasco pegou
Começou a espalhar
Pelo corpo a deslizar
Doce e suavemente
Bem ali na minha frente
E eu quase sem acreditar.

Começou pelos seus braços
Pescoço, busto em seguida
E eu comigo: querida
Hoje eu te dou uns abraços!
Não a toa os seus passos
Neste ambiente marquei
Até agora esperei
Este momento ímpar
Quando vi ela parar
Meu pensamento mudei.

Não é que uma muriçoca
Começou incomodá-la
Nas suas partes picá-la
Com seu ferrão soca-soca
E não é que a dondoca
Duas vezes não pensou
Correu lá fora e pegou
O Baygon inseticida
Uma “sprayzada” em seguida
Que o quarto incensou.

Quando vi foi muriçoca
Fugindo pra todo lado
E eu ficando agoniado
Escondido em minha toca
Minha querida dondoca
Depois disso se mandou
Para o quarto só voltou
Com a enevoada cessada
E bastante apressada
Sua cama arrumou.

Foi montando  um mosquiteiro
Ligou um ventilador
Que danado soprador!
Ventilou o quarto inteiro
Espalhou todo o mau cheiro
Daquele inseticida
Decretou minha partida
Para o mundo do além
Morri sem tocar em quem
Desejei na curta vida.

segunda-feira, 23 de março de 2015

MARAFA

(kynheo Ferreira)


     Esta vida desregrada

nos botecos da cidade

sem classe, sem qualidade

aberrante, desalmada

torpe como uma cilada

armada pelo destino

êta mundo beduíno

sempre com pé na estrada.

 

   Parece uma piada

viver nesta bandalheira

menino pé de poeira

roupa suja, mal cuidada

boêmio da madrugada

semanas, meses e anos

morrendo sofrendo danos

vida dura; apertada.


   Bebendo neste cordel

uma quarta de cachaça

dormi no banco da praça

coberto pelo chapéu

cai o orvalho do Céu

molhando nossa orgia

mas quando raiar o dia

o açúcar vira fel.



quarta-feira, 18 de março de 2015

A VIÚVA JOANITA

(Benildo Nery)

― Vixe Maria menino!
O que foi que aconteceu?
Joanita era tão feia
Depois que Bira morreu
Tá toda maravilhosa
Que viuvinha gostosa
Que o finado perdeu.

Dizia assim Amadeu
Gritando todo animado:
― Quem é que terá a sorte?
Quem será o premiado?
Essa eu pago pra ver
Quem é que irá viver
Com Joanita do seu lado?...

...Sou um sujeito prendado
Sou gastador sem ter pena
Se essa coisinha linda
Contra mim não fizer cena
A tomarei por querida
E passarei minha vida
Nos braços dessa morena.

Aí salta Zé de Nena:
― Na tua frente estou eu
Fica quieto no teu canto!
Sossega aí Amadeu!
Joanita quer é a mim
Pois viver com cabra ruim
Já bastou o que morreu!...

...Ou você já se esqueceu
Que já foi homem casado
Que maltratou a esposa
Que bateu nela um bocado
Hoje vive em abandono
Todinho um cão sem dono
Por tudo mundo largado...

...Ela vivendo ao teu lado
Será uma fracassada
Vai ficar seca de novo
Feiosa e acabada
Sei bem quais são os seus planos
Comer pensão muitos anos
Depois dela enterrada.

Irado, cara fechada
Amadeu retruca: ― Zé...
Me respeite seu safado!
Qual é a sua? Qual é?
Tu acha mesmo bandido
Que ela troca um bom partido
Pra viver com um pangaré?...

...Darei a ela “Mané”
Todo conforto do mundo
Largarei farra e bebida
Não serei mais vagabundo
Viverei só para ela
Não ficarei longe dela
Nem que seja um só segundo.

― Mas que papo tão profundo!
Disse Seu Zuzu da venda.
― Joanita, viúva linda
Uma verdadeira prenda
Mas qualquer um que ficar
Com ela só pra avisar,
Espero não se arrependa...

...Aquilo ali é uma emenda
De uma cobra cascavel
Com tudo de mais ruim
Que Deus expulsou do céu
Compadre Bira coitado
Comeu o pão amassado
Com café “doce” com fel...

...Vivia aos “embolel”
Nas mãos daquela malvada
Todo dia uma briga
Que aquela desgramada
Arrumava sem razão
Morreu de uma depressão
Dessas bem acentuada...

...É bichinha malcriada
Magra, tísica de ruindade
Depois que ele morreu
Encheu-se de vaidade
Agora fica andando
Bem vestida, se mostrando
Para os homens da cidade...

...E vocês nessa idade
Não perceberam ainda
Que ao se envolver com ela
A vida do homem finda
Homem deixem de bobagem!
Que aquela é uma passagem!
De ida, mas não tem vinda.

E Amadeu: ― Coisa linda
Essa sua conversinha!
Tá vendo não vou deixar
Viver só essa gracinha!
Mesmo não dando mais rima
Tá aqui quem vai dar em cima
De Joanita a viuvinha...

...Ela será toda minha
Você queira ou não queira
Zé de Nena, escuta homem
Larga dessa ciumeira!
Vou ali um estantinho
Fica na tua quietinho
Por favor não faz besteira!

Saiu em toda carreira
Como quem evita briga
E Zé de Nena falando:
― Eu não gosto de intriga
Mas ainda veio na telha
De eu socar a orelha
Do filho de rapariga.

― Isso é pabulagem antiga
De Amadeu Zé de Nena!
Joanita quer cara de
Personalidade amena
Pra depois nele montar
E em seguida maltratar
Sem ter um pingo de pena...

...Aquela gota serena,
Continuou Seu Zuzu
Pelo que conheço ela
Vai preferir é a tu
Toma cuidado rapaz
Pois o melhor que tu faz
É não provar desse angu.

Zé tomou outra Pitú
E saiu desaprumado
Seu Zuzu ficou pensando:
― Pense em dois desgraçado!
Se não mudarem de ideia
Ou um ou outro se “reia”
Vai acabar enterrado.


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