sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

ZÉ GIROIME - O HOMEM QUE SE INVURTAVA

(Benildo Nery)

 



Eu tenho um grande amigo

No Sítio Piraporinha

Que na juventude minha

Era colado comigo

Sempre quando venho sigo

Pra fazer-lhe uma visita

Até hoje ele acredita

Nessas coisas de magia,

De macumba e bruxaria

Tudo de sessão espírita.

                                  

Estive no mês passado

Com ele na sua casa

Aí a gente extravasa

Conversando um bocado

Às vezes fico assustado

Com as coisas que ele conta

Mas comigo não apronta

Sabe quando recuar

Ou de assunto mudar

A mim nunca desaponta.

 

Nessa ele me contou

Algo de antigamente

Que guarda na sua mente

Que do seu pai escutou

Ainda mais confessou:

“Nunca contei pra ninguém

Proquê pra prová num tem

São coisa de otros prano

E tem mai... tem muitos ano

Eu acho q’ué mai de cem!

 

Meu pai me contô assim:

 

Derna quand’eu piquinino

Q’eu uvia mãe dizê

Zé Giroime tem pudê

Acho q’ué pudê divino!

Só seno isso minino!

Num tem otra ispricação

Se num fô isso intão

Cuma é q’ele tá aqui

Dispoi aparece ali

Cuma fosse assumbração?

 

Otro dia ele tava

La pras banda do riacho

Na mão sigurano um cacho

De pitomba que chupava

As muié banho tumava

Nuas sem ligá cum nada

Em uma farra danada

Poi lá num havia home

Mai num é que Zé se some

Pra dá uma ispiada!

 

E quano ele quiria

Ir pra um forró dançá

Dava um jeito de entrá

Sem pagá e consiguia

Quano oiava se via

Zé Giroime já dançano

Grudado, se requebrano

Cum as muié no salão

Aquele ispertaião

Dos pudê anda usano.

 

E otras mai Zé aprontava

Sem gastá nenhum tustão

Ropa tinha de montão

Conde quiria pegava

Prefume nunca fartava

Carçado do bom tombém

Nota de cinquenta, cem

E namorada de mai

Fartava só o rapai

Sê o dono dum harém.

 

Ais vei ele inventava

De cum os otro bagunçá

Coisa que estava a cá

Notro canto ele butava

Aí ele se mutava

Nas coisa q’ele quiria

Queto num se rimixia

Fazeno ais vei de mudo

Dispoi que passava tudo

Sirrindo se divirtia.

 

Aí meu pai mai sensato

Compretava bem assim:

Eu sei timtim por timtim

Cuma procede esse fato

Eu iscutei um buato

Que tá puraí rolano

Que Zé tá se invurtano

Poi dixero que herdô

Um livro do seu avô

Que é de São Cipriano.

 

Ele ainda num tem

A metade dos pudê

Proquê só chegô a lê

As parte que le convém

De página são mai de cem

Cuma tem poca leitura

Essa pobe criatura

Usa de foima errada

Logo será disvendada

Toda sua aventura.”

 

Fiquei impressionado

Com aquela narrativa

Parecia estava viva

Com tanto detalhe dado

E depois de eu ter voltado

Pra casa no outro dia

Até parece que eu via

Zé Giroime o personagem

Retratado na imagem

De alguém que eu conhecia.

 

Aí fui analisando

Será a mesma pessoa?

Pense numa história boa

Fui os detalhes ligando

Daí fui observando

Coisas que presenciei

Mas atenção nunca dei

Do jeito que deveria

Mas depois daquele dia

Pra tal fato despertei.

 

Eu analisei assim:

 

Um encontro eu marquei

Com a minha namorada

Numa casa abandonada

A ninguém nunca contei

Quando eu menos esperei

Esse alguém chega pra mim

E diz sorrindo assim:

“Acha que me despistasse

Eu tava lá nem notasse

Pense num encontro ruim!”

 

Não podia ser verdade

Isso me deixou bolado

O tal do local marcado

Muito além da cidade

Era uma tranquilidade

Era o maior deserto

Não tinha ninguém! Tô certo!

Disso me certifiquei!

Mas... espera! Me lembrei!

Tinha um gato lá perto.

 

Outro dia a gente estava

Em um bar tomando uma

Tinha cerveja de ruma

Cada rodada um pagava

Ele era quem mais tomava

Numa grande euforia

Quando ele percebia

Sua vez de pagar chegando

Já ia se despistando

E de repente sumia.

 

Isso sem contar que a gente

Curtia uma noitada

A casa de show lotada

Lá dentro e lá na frente

Quando vejo de repente

Tome soco pro meu lado

E não é que o danado

Lá dentro fez confusão

O pau quebrou no salão

E ele lá fora sentado.

 

E o mais interessante

Que ele nem deixa sinal

É uma coisa anormal

Deveras impressionante

Tudo de gente importante

Ele sabe, e sai contando

Ninguém o vê frequentando

A casa de seu ninguém

Por isso digo esse alguém

Só pode está se “invurtando!”

 

Tem dinheiro e casa boa

Só anda todo alinhado

Gordo, bem alimentado

Não trabalha, vive à-toa

É uma boa pessoa

Também não é nada feio

De nada ele tem receio

Aqui, ali, acolá

Em toda farra que há

O peste está no meio.

 

Eu já estou convencido

Tenho certeza que é ele

Zé tomou o corpo dele

Ele está possuído

Ou senão deve ter lido

Também o São Cipriano

Que transforma um fulano

No que quer é só querer

É verdade esse poder

É coisa de outro plano!

 

Meu grande amigo está certo

Ele tem toda razão

Vou prestar mais atenção

Vou ficar bem mais esperto

Quando esse alguém tiver perto

Nele vou ficar ligado

Pra não ser ludibriado

E nem lesado também

Por poderes do além

De um cabra invurtado!

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